Alameda Yaya, 836, SLJ - Jd. Aida, Guarulhos/SP
Quando um criativo em construção precisa virar um empreendedor pronto
Os desafios de usar o que você tem de melhor para criar negócios de impacto — mesmo que para isso precise largar a caneta e abrir o Excel.
Quando comecei minha pequena carreira, tinha certeza de uma coisa: o que eu fazia melhor era criar histórias, invencionismos, reproduzir diálogos com um ar hiperbólico, contracenar comigo mesma numa viagem mental. Gostava de ler, de folhear o catálogo, decorar os sobrenomes que não apareciam em mais mais de duas casas na minha cidade (existiam o catálogo de NOMES e o de ENDEREÇOS), e imaginar de onde tinham vindo. Marques havia muitos, Ferreiras nem pensar. Mas quantos Babadopolos existiam no Ceará? E os Boyadjian? E os Xenofonte? Ficava horas tentando montar mapas, e guardava comigo uma história de infância: “Mariana aprendeu a ler com 4 anos e escrever com 5″, repetia mamãe, a todo mundo, a quem podia contar. Isso me deu a ilusão de que poderia desde cedo ganhar algum dinheiro com isso, com escrever.
Comecei cedo a vender texto. Cartinhas, free lancers de publicidade, textos para sites que nunca mudavam — era 1999 e nada era mais estático, caro e,portanto obrigatoriamente durável, que um site. Assim fui redatora em agência de publicidade, projetista em agência de promoção, lavei louça, fui garçonete (como o texto foi útil nessas experiências, viu?). Acumulei experiências de formalidade (não as tinha) trabalhando no serviço público com eventos e cerimonial, aprendi a compor uma mesa, a escrever um script para qualquer tipo de evento. Sou cofundadora de uma revista da qual tenho o maior orgulho, até. Chama-se Vós.
MAS AÍ ME DEPAREI COM UM PROBLEMA, RECENTEMENTE: COMO O CRIATIVO SE DEDICA A SER SÓ CRIATIVO NUM MERCADO QUE PAGA POR EXECUÇÃO, MAS NÃO PAGA POR IDEIA?
No ano passado levei uma facada (simbólica, perdão) de alguém em quem confio muito, quando disse:
– Cuidado, Mariana, que ideia boa todo mundo tem.
E foi aí que descobri que não dava para simplesmente viver criando e se cercando de gente organizada e metódica que colocava as coisas para frente e dava corpo ao que era imaginado antes em algumas reuniões.
Era preciso aprender a liderar, executar, ir a campo, pensar na prática, organizar uma planilha minimamente, fazer conta, demitir, contratar.
FUI IMPELIDA A EMPREENDER, CAÍ NUMA PISCINA E ALGUÉM GRITOU LÁ ATRÁS, NUM MEGAFONE: VAI.
Lascada era pouco. Eu iria me afogar dali em 50 metros se não fizesse alguma coisa. Não fiz. Mas antes de me afogar, achei uma borda qualquer e saí da piscina. Um ano depois, me vi de novo na mesma situação, e foi quando, já trabalhando na Catarina Mina e na Mosaico Branding, conheci algumas iniciativas, podcasts, grupos de trabalho, que poderiam sim auxiliar nessa transformação. O primeiro passo era eu não me achar “velha” para ser transformada, e nem achar que, se nasci para ser criativa, não tenho poder de execução ou não posso liderar. Isso tudo é uma grande mentira (pelo menos é do que estou tentando me convencer para ir em frente).
Recentemente, começamos a fazer parte de um programa de aceleração de empresas da Endeavor (eu a mais necessitada, óbvio, já que Celina tem mais vivências em gestão) chamado Scale-Up, um conjunto de encontros de mentorias com empreendedores mais experientes, trocas, discussões, e principalmente networking — uma palavra que eu não suportava ouvir. Hoje me vejo no entendimento de que networking nada mais é que a realização do encontro profissional, um elo que pode ser criado entre dois semelhantes que não se encontrariam na mesma energia caso um programa destes não existisse.
Tem sido um prazer surpreendente. A impressão que eu tenho é de que caí de novo na piscina funda, mas agora com gente de todo jeito nadando comigo. E alguns técnicos na beirinha que, infelizmente, não estão ali para impedir que eu me afogue (eu ainda posso me afogar), mas que gritarão até o fim quando a execução do movimento tiver capenga, torta e me atrapalhando a chegar do outro lado. São pessoas que, como eu, não se acham velhas para buscar uma transformação ou uma melhoria em suas vidas ou seus negócios. Nunca me senti tão impelida, convidada mesmo, a ter um negócio meu. Uma iniciativa que traduzisse o que eu espero do “mercado” em serviço ou produto, e que fosse posta no mundo, pronta, para viver independente de mim. Quem diria.
Na última mentoria coletiva que tivemos, procurei o mentor, no final da reunião. Era João Cunha, do Sistema Ari de Sá de ensino.
Contei brevemente meu drama maior:
– Sou uma criativa em formação e agora preciso, quero, e me desafiei a virar executiva.
Ele perguntou:
– E você ainda escreve?
Respondi:
– Todos os textos da empresa.
O semblante enigmático dele não segurou o mistério: em breve, terei de soltar a mão. Será? Ou a empresa é pequena e neste momento todo mundo nada na mesma raia? Não soubemos a resposta. O que me move nesse momento é justamente a falta de respostas certas. Mas tem uma coisa em mim que não apaga. Porque eu posso estar completamente lisa, mas eu sempre sempre sempre vou pagar pra ver.
Hoje já começo a me familiarizar com as planilhas, mas o bom mesmo é ter uma sócia que equilibra. Ela tem o pé no chão, eu a cabeça nas nuvens. Apesar de ter o DNA de um criativo e ter estudado comunicação e se formado dentro de agência de publicidade, tem a verve gestora aflorada, e é bem mais organizada nas tarefas e na execução. Sou a mente criativa que insiste em voar.
No Programa Scale-Up, aprendi, em poucos encontros, que devo seguir fazendo o que faço melhor, e, claro, tentando corrigir o que me atrapalha, mas nunca deixando de focar no que pode me fazer brilhar. Com os amigos, os grupos focais, as mentorias coletivas, os encontros, fica claro que, independente de segmento, todos que fazem parte do programa enfrentam dores parecidas, e que podemos crescer juntos para que ao final possamos sonhar grande, sonhar sólido. Creio que isso acontecerá.
Por enquanto seguimos fazendo que acreditamos, trabalhando na primeira empresa de moda de custos abertos do Brasil, e tentando entender quão grande pode ser a nossa parte na perpetuação das linguagens artesanais no Brasil. Uma gota talvez. Mas uma gota robusta que pode sim fazer uma diferença danada na piscina doida que resolvi chamar de mundo.