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Contadores podem colaborar com a formalização de comunidades quilombolas
A classe contábil pode se somar à luta das comunidades quilombolas ao prestar serviços de assessoria tributária.
No Mês da Solidariedade Contábil, a responsabilidade do contador com os temas mais latentes da sociedade entraram na agenda da classe. Durante a Semana da Consciência Negra, a atenção se voltou ao panorama dessa camada ainda estigmatizada na profissão e à necessidade de uma atenção especial às comunidades quilombolas.
A classe contábil pode se somar à luta das comunidades quilombolas ao prestar serviços de assessoria tributária. Segundo o antropólogo, metroviário e representante do Movimento Social Negro do Instituto de Assessoria às Comunidades Remanescentes de Quilombos (Iacoreq), Ubirajara Carvalho Roledo, uma das grandes dificuldades depois de obter o certificado de quilombo é processar o Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), organizar a documentação necessária para inscrever-se em editais e prestar contas.
“Mesmo sem ter rendimento, esses territórios têm de declarar Imposto de Renda. Muitas vezes, as associações responsáveis pela organização comunitária se mantêm apenas com doações”, exemplifica Roledo, salientando que a assessoria contábil ajuda a garantir a sobrevivência desses locais. Depois de séculos à margem, contar com auxílio profissional também é uma forma de empoderar as comunidades para irem em busca de seus direitos e de novas formas de sustento.
Além disso, o contador pode ser crucial na hora de orientar esses espaços na cobrança de seus direitos, como, por exemplo, a isenção no pagamento do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) em Porto Alegre – medida que pode ser multiplicada para outros municípios. Apesar da titularidade das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos ter surgido com a constituição de 1988, muitas questões não são amplamente conhecidas e reconhecidas como direitos fundamentais.
Pensando exatamente nas alternativas apontadas pelo antropólogo, o Conselho Regional de Contabilidade (CRCRS), em parceria com outras entidades contábeis, deve iniciar uma articulação com os profissionais gaúchos e junto ao Conselho Federal de Contabilidade (CFC) para expandir o alcance da assessoria tributária gratuita, já disponível aos microempreendedores individuais (MEI) por meio de legislação federal. “Vamos levar a proposta ao CFC e também começar a tocar essa a junto aos colegas mais próximos através, inclusive, do Programa de Voluntariado da Classe Contábil”, adianta a contadora Simone Imperatore, integrante da Comissão de Estudos de Responsabilidade Social do CRCRS.
Na véspera do Dia da Consciência, comemorado em 20 de novembro em homenagem à morte de Zumbi dos Palmares, líder do Quilombo dos Palmares, em 1695, o CRSRS promoveu o painel Retrospectiva e Contemporaneidade da Identidade Afro-brasileira. A atividade já foi uma oportunidade de aproximação com o Quilombo Areal da Baronesa, situado em frente ao conselho e uma das mais importantes comunidades de manutenção da cultura afro-brasileira de Porto Alegre.
Com o livro Colonos e Quilombolas – Memória Fotográfica das Colônias Africanas em Porto Alegre (escrito por importantes ativistas do movimento negro gaúcho) em mãos, a contadora Ana Tércia Rodrigues, vice-presidente de Gestão do CRCRS, disse que, ao entrar em contato com a obra, se conscientizou ainda mais da importância daquele território pelo qual muitos contadores passam periodicamente e nem se dão conta de que existe. “Fazemos tantos trabalhos de solidariedade, de doação, mas ainda não nos voltamos aos nossos vizinhos”, diz.
Um grupo de moradores e representantes do Areal da Baronesa também participou da palestra e realizou um show após o painel. Cleusa Astigarraga, presidente da Escola de Samba local e do projeto Escola Mirim Areal do Futuro, que realiza um trabalho social com as crianças e jovens, festejou a possibilidade de uma aproximação. “Nos mantemos com doações, toda ajuda é bem-vinda”, comemorou.
Negros ainda são minoria nos cursos de Ciências Contábeis
Os contadores negros ainda respondem por um número muito pequeno no total de profissionais da contabilidade. “Nas universidades, o baixo número de formandos em Ciências Contábeis é bem fácil de verificar. Basta olhar as fotos dos convites: normalmente tem um, dois formandos negros”, indica a técnica em Contabilidade e estudante universitária Letícia Rosa.
A professora universitária das faculdades São Judas Tadeu e Ftec, Fabiana dos Santos, conta que, quando se graduou, em 1999, apenas mais um colega negro também se formou. “Hoje, vejo que esse número está aumentando, graças principalmente às políticas públicas de ações afirmativas.”
No penúltimo semestre do curso de Ciências Contábeis nas Faculdades Rio-grandenses (Fargs)
e já empregada na área na Fortus Assessoria Contábil, Letícia diz que nota entre os colegas afro-brasileiros uma dificuldade em terminar o curso e de se colocar no mercado de trabalho. Ela adverte que é muito comum as pessoas desistirem antes da formatura.
Uma das causas é a necessidade de trabalhar em jornadas pesadas (se sabe que a comunidade negra ainda é maioria entre a população de baixa renda). A outra é certa descrença depositada sobre a população afro-brasileira. “É preciso ter muita força de vontade para continuar acreditando no sonho quando tanta gente diz que é impossível realizá-lo.”
A estrutura familiar foi fundamental para que ela “nunca visse um limite”. Filha de pai serralheiro e mãe empregada doméstica, Letícia diz que o mercado de trabalho contábil está flexível e acredita que as oportunidades aparecem para quem as busca. Para ela, é fundamental, ainda, que novas lideranças negras surjam para mostrar que é possível.
Afrodescendentes ainda têm dificuldade para obter crédito
A população negra empreendedora ainda enfrenta dificuldades em conseguir acesso a crédito bancário, mesmo sendo parcela mais presente entre os micro e pequenos negócios. Essa situação acaba impondo alguns limites para o desenvolvimento e ampliação dos seus empreendimentos, conforme aponta panorama traçado pela Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (Seppir).
O professor Marcelo Paixão, do Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, ressalta que essa situação é consequência da posição histórica dos negros no Brasil. “A dificuldade de se conseguir empréstimos bancários se dá à luz do grau de confiabilidade no agente que pede”, afirma Paixão.
Tributos oneram a população negra
Caracterizado por onerar proporcionalmente os mais pobres, o sistema tributário brasileiro provoca um tipo mais profundo de injustiça. Estudo do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) revela que os impostos punem mais os negros e as mulheres em relação aos brancos e aos homens.
O levantamento cruzou dados de duas pesquisas do IBGE. O estudo baseou-se na Pesquisa de Orçamento Familiar (POF), que fornece dados sobre a renda das famílias, e na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), que capta informações demográficas como raça e gênero. Segundo o levantamento, os 10% mais pobres da população comprometem 32% da renda com o pagamento de tributos. Para os 10% mais ricos, o peso dos tributos cai para 21%. A relação com o gênero e a raça aparece ao comparar a participação de cada fatia da população nessas categorias de renda.
Nos 10% mais pobres da população, 68,06% são negros e 31,94%, brancos. A faixa mais desfavorecida é composta por 45,66% de homens e 54,34% de mulheres. Nos 10% mais ricos, que pagam menos imposto proporcionalmente à renda, há 83,72% de brancos e 16,28% de negros. Nessa categoria, 62,05% são homens e 31,05%, mulheres.
“Não há dúvida de que a mulher negra é a mais punida pelo sistema tributário brasileiro, enquanto o homem branco é o mais favorecido”, diz o autor do estudo, Evilásio Salvador. Para ele, é falsa a ideia de que a tributação brasileira é neutra em relação a raça e gênero. “Como a base da pirâmide social é composta por negros e mulheres, a elevada carga tributária onera fortemente esse segmento da população”, diz.
Historicamente, o sistema tributário brasileiro pune os mais pobres porque a maior parte da tributação incide sobre o consumo e os salários, em vez de ser cobrada com mais intensidade sobre o patrimônio e a renda do capital. Segundo o estudo, no Brasil, 55,74% das receitas de tributos vieram do consumo e 15,64% da renda do trabalho em 2011, somando 71,38%. Nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a média está em 33%.